A bab (bienal anual de búzios)

A bab bienal é um programa de residência artística que teve inicio em 2007 na cidade de Armação dos Búzios, um projeto artístico que toma como ponto de partida e inspiração a Bienal do Vazio (28a. Bienal de São Paulo) para questionar modelos e sistemas institucionalizados de produção e exposição de objetos e propostas artísticas.

Búzios, que já serviu de espaço de experiência nos anos 50/60 para artista como Lygia Clark e Hélio Oiticica serviu, nesses últimos quinze anos, como solo fértil para imaginação de mais de uma centena de artistas que se dirigiram para Armação em busca de pensar e experimentar outros modos de fazer arte.

As cidades, como sabemos, demandam forte influência sobre a produção de trabalhos artísticos, individuais e coletivos, que fazem uso de seus espaços, com seus atributos simbólicos, como um meio para inserir desvios por meio de experiencias criativas. Assim, na urbis, local próprio da indiferença cotidiana, a bab se instala e transforma a cidade em ateliê de experimentação artística que atiça a audiência.

Não fossem os padrinhos dessa história Artur Barrio e Anna Bella Geiger, outros por inspiração seriam: Gordon Matta-Clark, a Bas Jan Ader, Michael Asher, Dan Graham, Richard Serra, Hans. Haacke, Daniel Buren, se relacionam nesse front para alinhar cidade e natureza como o suportes e meios para proposição de ações e situações que se dirigiam a audiência nômade de uma cidade turística. Na bab é o deslocamento do artista para esse outro território geográfico a primeira ação para o encontro/vivência criativa.

BURKINI, 2009 – Em projeção atualmente no Museu da República, Rio de Janeiro, Exposição “Paisagem Ready Made”. Vídeo de Roberto Cabot realizado na praia de Geribá em Búzios. Imagens, Roberto Cabot e Sergio de Portzamparc; produção, Rebecca Lockwood; soundtrack, João Nabuco


Pensamento e ação

Como num filme calidoscópico, imagens e ações e sons se alternam vertiginosamente na memória. Sensações emblemáticas e instigantes que continuam vivas. Sejam performances, intervenções na paisagem e na arquitetura, objetos, esculturas, street art, happenings, pirotecnias, vídeos e demais e quaisquer manifestações no infinito leque da arte contemporânea convivendo com Búzios e sua heterogênea e flutuante gente. Nativos – que, muitas vezes, formam o público mais impactado pelas obras e pelos artistas -, frequentadores habituais do balneário, turistas eventuais, estudantes, aposentados, desocupados, artistas…

No período documentado por essa revista – que cobre da estreia, em 2007, à edição de 2011 -, a Bienal Anual de Búzios não só respondeu, conceitual e ideologicamente, ao proclamado “vazio” que pautou a polêmica (e… esvaziada) 28º Bienal de São Paulo, como praticou seu discurso através das múltiplas formas de expressão utilizadas pelo diversificado elenco agregado pelo curador (e também artista plástico) Armando Mattos. Uma lista em torno de 70 nomes que alterna consagrados, emergentes, novos, revelações, brasileiros, estrangeiros, individuais e coletivos, incluindo, entre outros, Anna Bella Geiger, Adriano de Aquino, Artur Barrio, Rogério Reis, Ivald Granato, Marcos Bonisson, Gilvan Nunes, Brigida Baltar, Enrica Bernadelli, Ernesto Neto, Mauricio Ruiz, Paulo Roberto Leal, Katerina Dimitrova, Bernardo Ramalho, Celina Portella, Franklin Cassaro, Laura Lima, Opavivará, Alê Souto, Antonio Bokel, Filé de Peixe, Ronald Duarte, Claudia Herzs, Cristian Silva-Avária, Siri, Lin Lima…

Mas a ideia aqui não é comentar as obras e os artistas – apresentados em ordem cronológica nesse catálogo-documentário. Afinal, independentemente do interesse maior ou menor de cada trabalho, de seus conceitos e valores intrínsecos, o principal trunfo de cada edição está no que a bab consegue provocar, desencadear. Poderes transformadores e questionadores.

Influindo nisso há também o elemento surpresa, tanto para os artistas, expostos fora de seus ateliês-galerias-instituições, quanto para o público, parte dele involuntário, alguma parte virgem de arte, seja contemporânea ou clássica. Dessa forma, sem a imposição, a autoridade da instituição escolar (mas, num segundo e importante momento, também aliado à ela no que tem de mais vital) a bab tem um forte componente educativo, abrindo cabeças e horizontes, no caminho de uma cidadania plena.

É o que se viu nesses cinco anos pautados pela informalidade e pelo acaso, inventando formatos e soluções a cada versão. Arte que se descobre no fazer e também se revela a novos olhares e sensações.

De volta ao turbilhão do filme-calidoscópio-memorialista, é possível resumir algo dessa conversa numa de suas sequências. Fim de noite, início de madrugada, uma performance jam ocupa uma tenda instalada numa praça central de Búzios. Sons, improvisos, luzes, sombras, sensações compartilhados por todos, do coletivo de artistas em ação ao respeitável e desconhecido público.

Antônio Carlos Miguel

Coletivo Colégio Estadual João de Oliveira Botas | Orla Bardot | 2008

Simone Michelin | Orla Bardot | 2011

Bloco Chupa Mas Não Baba | Orla Bardot | 2008

Alexandre Vogler | Orla Bardot | 2010

Ivald Granato (1949 - 2016) e Laís Granato | Orla Bardot | 2008

bab Bienal Abertura | Orla Bardot | 2009

Intervenção de Alê Souto, Bernardo Ramalho, Peu Melo e Antonio Bokel | Praça Santos Dumont | 2010

Alexandra Vaghi | Praia do Canto | 2013

Guga Ferraz | Praia de Manguinhos | 2013

Coletivo bab Bienal | Orla Bardot | 2008

Daniel Toledo | Orla Bardot | 2009

Confraternização bab Bienal | Orla Bardot | 2009

Opavivará | Orla Bardot | 2009

Afrografiteiras | Praia do Canto | 2014

Godri | Pista de Skate de Geribá | 2013

Grafite Coletivo | Pista de Skate | 2013

Happening Santiago Freitas | Rua das Pedras | 2013

Instalação Paulo Roberto Leal | Porto da Barra | 2016

Anna Bella Geiger | Orla Bardot | 2008

O projeto bab sob o olhar de Laura Lima

A pesquisa do Armando tem uma complexidade muito atenta sobre a convivência e a linguagem dos outros artistas. Ele é um artista que tem uma produção peculiar, pessoal e que também sempre trabalhou com estas questões de trocas, admitindo que trabalhos de outros artistas pudessem ser parte de uma pesquisa dele (isso é uma virada mais conceitual sobre o que estou dizendo, a ação de curadoria é um ato de criação do ponto de vista como ele opera). O que eu acho interessante no trabalho dele é que ele faz esta amplitude, esta proposta conceitual, como se ele encontrasse ferramentas internas na atuação destes artistas, ferramentas onde ele pode achar espaços entre, que ele possa, colocando estes artistas em conjunto, construir uma linguagem que também é uma linguagem dele. Então, por exemplo, uma curadoria dele de uma exposição pode ser uma obra dele, o que também é interessante porque ele coloca em questão a própria ideia de curadoria como uma possibilidade de um trabalho de arte e isso é, sim, possível, potencialmente possível, principalmente vindo de um artista.

Com isso, ele acabou criando, digamos, várias plataformas: desde publicações, exposições em conjunto (como esta que eu fiz com ele), que são atravessamentos, como a própria ideia da bab, que é um trabalho que ele sempre fez em caráter hercúleo, solitário, de produção, conseguindo fazer com que a cidade se movimentasse. Um projeto bastante bacana e que também tinha uma questão, uma ideia do improviso, mas não do improviso no sentido pejorativo, mas do improviso como experimentação e exercício de arte. Não estamos aqui falando de uma bienal que está interessada em responder a todo um programa de serviço, como o de transporte de obras, expografia etc., estamos falando de uma bienal de experiência de fato, menos “limpa” e mais ruidosa. Então, certas curadorias que ele fazia tinham questões temáticas mais evidentes – uma vez ele fez a dos grafites, do pixo, mas outras vezes ele já colocou artistas juntos que necessariamente faziam trabalhos com outros artistas ou que filmavam um vídeo que nem estava exposto ali, mas que ia ser exposto em outro lugar. Então, o processo também era incorporado, e isso eram características que a bab já possuía.

Então, na residência na casa dele, quando eu fui, fiquei, acho, 5 dias… o tempo é um tempo que se adapta muito à combinação. Eu, quando entrei ali, por conhecer o Armando, já estava incorporando todas essas questões que eu conhecia através do histórico dele. Então, aquele lugar, que é um lugar mais quieto, mais isolado, numa área que tem toda uma consciência de discussão ecológica, a fazenda do lado, a piscina parada, quieta, a praia não tão perto, mas você pode ir andando. Você pode se isolar, é muito calmo, você pode conviver com as obras dele. É um lugar de exercício potencial, mas também de uma gravidade no sentido de uma preguiça, o tempo se expandindo, você necessariamente não precisa estar conectado à internet, e você convive não só com os trabalhos dele, mas também com os trabalhos que ele possui na coleção dele.
Isso tudo, pra mim, já estava muito dado como uma escrita, uma escrita que se coloca assim como uma nuvem que paira, um vento que sopra. Conhecendo isso, eu acho até que… geralmente o artista pode chegar sem ter esta informação, e pode chegar tendo a informação, que é o meu caso porque eu já acompanho o trabalho do Armando e este viés, que é um viés conceitual dele, de atuação.

Então, o importante, vendo a residência do artista, que ele propõe, dentro da própria casa, é que ele não só observa o outro artista trabalhar, e o outro artista, necessariamente, trabalhando, não precisa ficar devolvendo um fazer específico; porque o que eu acho que é um dos pontos incríveis, muito coerentes com o processo anterior dele de atuação conceitual, é que você pode ter uma residência onde necessariamente você não precisa produzir um produto. E isso tem muito a ver com o pensar como é que se dá um processo de arte. Lá na outra bab, que seria a bienal, tem a pessoa que realmente está filmando um vídeo, mas não necessariamente aquele produto do vídeo vai ser visto/exposto como produto final na bab. Mas na residência na casa dele, o artista pode ficar deitado no sofá, estudando, lendo, etc., produzindo seus pensamentos, se isolando um pouco. Quer dizer, se colocando numa área onde ele pode ser um pouco objeto disso tudo, mas também um sujeito, que é também o que interessa ao Armando, onde você necessariamente não precisa produzir um trabalho de arte específico. E eu acho que isso é um pensamento forte neste processo dele. Toda esta descrição que fiz sobre o método aplicado (o não método) nessa residência é seu ponto forte conceitual. Estas são práticas importantes e necessárias. Existem outras residências no mundo que também pensam assim, em que você precisa só se deslocar, estar lá, conviver com o lugar, ficar no meio de uma coleção, ou se engajar dentro de uma situação dada, ou de um país com suas culturas. Então, o que o Armando faz é um acolhimento que na verdade não é um acolhimento de uma ingenuidade, do tipo “vem aqui pra minha casa e fique aqui”. Não é “produza ou não”, não é assim. Tem todo um pensamento anterior que é um processo engajado na pesquisa dele de muitos anos.

Eu ainda estou esperando voltar de novo e fazer outra residência na bab. Fiz duas assim, lá e no Isabella Stewart Gardener Museum. Isabella foi herdeira de um dos maiores construtores de ferrovias nos Estados Unidos do princípio do século XX, filha única e sem filhos, recebia artistas em sua casa repleta de obras de arte quando estava viva, adorava conviver com eles. Ela deixou sua residência em Boston, com as obras expostas intactas para se transformar em um museu, foi o seu último pedido. Hoje é um dos museus mais importantes daquela região. Os curadores recebem artistas convidados que não precisam fazer absolutamente nada na residência que tem duração de um mês, como se ela ainda estivesse viva, e absorvem o que ali está.

 


Performance Siri – Vozes do Samba na Bienal de búzios